Fatinha era a típica moradora de uma grande cidade da região sudeste do Brasil. Acordava todos os dias às quatro e meia da manhã, fazia ginástica até cinco e meia, se arrumava e ia trabalhar. Depois de um dia inteiro de trabalho, ia para casa para o segundo tempo de sua jornada: seu marido e filhos - tinha dois.
Em um final de tarde de quarta-feira como outra qualquer, enquanto começava a se preparar psicologicamente para ir para casa, ela se olhou no espelho e viu em seu rosto suas linhas de expressão. Parou e pensou, em um flash, na sua vida. "Onde minha vida tomou um rumo diferente do que eu planejei?", pensou.
Fatinha sempre sonhou em ser médica mas, porque a grana era curta e porque o tempo era escasso, optou por fazer um curso de enfermagem. Tinha cultura e formação medianas, ainda era jovem e cheia de ideais, mas estes eram suplantados pelo cansaço do dia a dia. Sacudiu a cabeça e decidiu apressar o passo para chegar em casa.
Mal entrou pela porta, lá estava Zé, o marido - estatelado na frente da televisão, com uma cerveja bem em cima da madeira da mesa, assistindo... a CPI do mensalão. Deu boa noite e ia para o quarto, quando o marido gritou para trazer mais uma cerveja e mais petiscos. Olhou torto pensando "...antes era só quando tinha futebol, agora é todo o dia", e já ia para a cozinha, quando os dois meninos entram no quarto como bala, um puxando a orelha do outro e se jogando na cama aos socos.
Sem forças nem para reagir, Fatinha entrega ao marido o que pediu e senta ao seu lado. Quando diz que queria comentar uma coisa sobre seu dia, ele reclama: "Caramba, não tá vendo que tou assistindo a CPI?".
Começou então a rir. Riu freneticamente. Colocou uma saia comprida, pegou uma mochila antiga de seus filhos, colocou meia dúzia de roupas e dinheiro, deu as costas, e bateu a porta.
A última notícia que tive de Fatinha era que tinha se filiado ao PSTU, resolveu fazer faculdade de Filosofia, estava morando próximo a uma aldeia indígena em Roraima e atuando como militante do Greenpeace. E nunca mais voltou.
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(Baseada em histórias e sentimentos reais, Fatinha é uma homenagem à muitas amigas que queriam ter o mesmo fim, mas não puderam - ou não quiseram)
Um comentário:
O conto tem um final inesperado e divertido, mas não precisava tanto, não pelo marido, afinal marido não é parente, mas pelos filhos.A maioria dos "vícios" de pronto atendimento aos pedidos solicitados, são criados pelas próprias esposas pensando que seu único papel é servir rápido e bem.
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